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O pai distante

Cito aqui, ipsis literis, o texto retirado da revista eletrônica Humana Saúde.
Faço isso para compartilhar o reconhecimento do filho do século XX e do pai do século XXI, que encontrei neste texto.

Espero que apreciem tanto quanto eu.

http://www.humanasaude.com.br/novo/materias/3/-o-pai-distante-_447.html

"O pai distante"

"Pai, porque me abandonaste ?" - um dos principais fundamentos  da ideologia que move toda a cultura ocidental tem como mito central a ausência do pai. Se é        verdade que a análise dos mitos demonstra a estrutura básica da história de uma sociedade, é possível afirmar que o silêncio do pai , e os lamentos do filho, se encontravam já anunciados pelo mito cristão. São José teve sua paternidade negada, e participará muito pouco na vida do filho Jesus. Ele não estará embaixo da cruz , com Maria. E foi com Maria, e seu filho morto nos braços, que se imortalizou o mito do amor materno, e se anunciou o fantasma da ausência, do abandono e do silêncio do pai.

A figura paterna tem se tornado cada vez mais uma  entidade apagada, principalmente na sociedade industrial moderna, onde o homem foi transformado numa ferramenta impessoal e descartável .

Sem nenhuma dúvida, estamos todos, hoje em dia, muito longínquos do que  foi a base da evolução  de nossa espécie, evolução esta que se fez através da tribo, os filhos tendo acesso constante e regular aos seus pais, quando  podiam observá-los e copiá-los em suas práticas. O homem atual tem poucas oportunidades de desenvolver seu potencial masculino em presença de seu pai. Até cerca de 80 anos atrás , e durante toda a história humana, o crescimento de um filho se fazia em intensa proximidade com o pai , acompanhando-o na lavoura, à caça, à criação dos animais, na colheita; assim como na dinâmica cotidiana da família. O filho realizava seu desejo de ser reconhecido e confirmado pelo pai, numa relação de pertencido e pertencedor. Nesta última metade de século, depois do início da era industrial e da urbanização maciça no Brasil, há cada vez menos contato prolongado entre os pais e seus filhos.

Os pais de hoje estão perdidos, dentro dos bares, no trabalho coletivo e alienado, dentro de ônibus e  automóveis, por detrás da leitura dos jornais, diante da tela da TV. Eles preferem a fuga para um mundo abstrato e sintético, adiando a existência, desprezando o presente, que não os agrada; rejeitando o cotidiano, o contato de corpos com o filho.
Hoje as aspirações do pai  se concentram cada vez mais no impulsos de responder às pressões das necessidades materiais, às demandas crescentes do consumo, numa sociedade na qual ao mesmo tempo em que a indústria cultural difunde à exaustão o dogma de que viver é consumir, as políticas econômicas engendram a concentração de riquezas e a exclusão social.   

A consciência paterna está largamente definida pela necessidade de garantir a sobrevivência material do núcleo familiar . A função de pai é, assim, percebida como sendo, no máximo, levar para casa os recursos financeiros que permitam o custeio dos gastos familiares. Eles se sentem muito mal quando são solicitados  a exprimir verbal e fisicamente seus estados afetivos, suas condições interiores.

Subitamente, quando o filho chega à puberdade, um dos  momentos de grandes necessidades, o pai falta, desaparece, se evapora. Seja por medo, ou por desinteresse, ou por achar que sua obrigação já está cumprida.

No Brasil cerca de 1 em cada 5 crianças vive numa família sem a figura do pai: uma família constituída por mãe e filhos. Mas este dado estatístico fala somente da ausência física, completa, do pai. E o que dizer dos pais que estão presentes na casa, mas são ausentes? E aqueles pais que adotam comportamentos inadequados ? Os pais que, apesar de sua presença física, não se conduzem de maneira aceitável: os pais  repressivos; os pais que abortam os talentos de seus filhos; os pais que praticam violências físicas ou verbais; os pais que impedem as tentativas de auto-afirmação dos filhos; os pais alcoólatras;  os pais instáveis emocionalmente … Enfim, todos os pais que criam seus filhos num estado de insegurança emocional permanente.

Pais deficientes geram filhos deficientes, mutilados. Talvez isto explique em parte a tragédia da condição masculina na atualidade: já na infância e na adolescência os homens apresentam, de modo bem mais freqüente que as mulheres, quadros de retardo mental, distúrbios da atenção, alterações da conduta, hiperansiedade, "tics" nervosos transitórios ou definitivos, micção noturna, sonambulismo, autismo, distúrbios da fala, etc. Na idade adulta os homens ocupam hoje um local muito mais grave que as mulheres nas categorias de alterações da personalidade, e de distúrbios e desvios sexuais.

Um em cada cinco homens sofre de alcoolismo ou de toxicomania; homens cometem 3 vezes mais suicídios fatais que as mullheres; e representam uma população muito maior em casos de esquizofrenia.
 Não há dúvidas de que a ausência do pai, ou de modelos masculinos atuantes, na proximidade de uma criança explica certas dificuldades de comportamento ligadas à afirmação da identidade sexual do homem. A criação masculina tem uma necessidade gigantesca da proximidade emocional e física do pai.

A personalidade masculina se elabora e se diferencia através de um código, um conjunto de identificações . Esta identificação é um processo psicológico através do qual a criança assimila aspectos , atributos do outro, que se transformam a partir deste modelo. Na elaboração inconsciente do eu, para poder identificar a si mesmo, a criança tem que identificar-se antes a qualquer outro. Ele deverá se estruturar incorporando e introjetando, num processo de imitação. Mas para que este movimento se produza ele deverá reconhecer um elemento comum no outro. Se esta identificação não se fizer com o pai, se fará com a figura da mãe. No garoto esta perigosa transferência de identidade tem que ser elaborada, pois enquanto a mulher  “é ”, o homem "tem que ser feito"!

Ao menstruar e ao constatar as inúmeras mudanças físicas e psíquicas da adolescência a filha entra na condição feminina. Mas para que o filho se reconheça no pai, é necessário que o pai, ou um pai, esteja lá. 
No início da vida o filho se identifica com a mãe, e mais tarde com o pai. O pai é o primeiro outro que o filho reconhece após a  mãe. O pai encarna o "não-mãe", dando forma a tudo que não é ela. A presença do pai representa para o filho o acesso à agressividade (afirmação de si mesmo e capacidade de defender-se), o acesso à sexualidade, a perda do medo do corpo feminino, e ao senso de exploração do meio. 
Enquanto a mãe porta o signo da proteção, da contenção e do temor; do pai o filho assimila o impulso pelo risco, pela aventura, desenvolvendo atributos que serão fundamentais no futuro, na luta pelo equilíbrio, pela harmonia existencial.

Com certeza nós, homens adultos, seríamos, hoje, mais felizes e seguros  se nossos pais nos tivessem servido, mesmo que em um prato vazio de alimentos do corpo, um pouco de alimentos da alma, como este:
" ... meu menino,
       menininho,
       dono do meu coração,
       canto esta musiquinha
       para te pedir perdão,
       não faz bem ao meu filhinho
       viver em tal condição,
       assim sem o seu paizinho,
       nessa triste solidão..."

José Cerqueira Dantas, médico.



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